Sendo o poema em questão um poema que toca o tema do amor, não se pode certamente considerar como um poema de amor.
Isto porque, como é hábito em Pessoa, muitas das vezes os temas mais simples são processados, refinados, intelectualizados, de maneira a que a mais simples exposição de ideias nunca é apenas uma exposição de sentimentos.
Isto nota-se ainda mais quando são poemas ortónimos, escritos em nome de Fernando Pessoa ele próprio, porque sem artifícios ou máscaras transparece frágil e sem cor o sentimento de estar perdido no mundo, de fragilidade, de incapacidade e tristeza - marcas indeléveis do carácter do poeta e que encontravam na sua poesia o escape natural.
A análise do poema clarifica o que dissemos anteriormente.
"O amor, quando se revela, / Não se sabe revelar. / Sabe bem olhar p'ra ela, / Mas não lhe sabe falar."
Vejamos como é curiosa a maneira como Pessoa olha para o amor. Em vez de elogiar o amor, Pessoa fica perturbado pela maneira como o amor se revela em si mesmo. É a incapacidade de sentir, ou de pelo menos de transmitir, de comunicar o sentimento, que é o verdadeiro tema deste poema, e não o amor, o sentimento.
Não sabemos até que ponto a a interpretação de Pessoa pode ser uma interpretação Universal do amor. Pensamos que não é, que é uma interpretação tão íntima que muito nos diz da maneira como o poeta sentia as coisas e nada mais do que isso. Por isso mesmo quando ele diz "Fala: parece que mente / Cala: parece esquecer" Pessoa fala do seu ponto de vista particular. É ele que parece não ser sincero quando tenta ser sincero - é a sua dor interna que impede a sua sinceridade, a sua ligação sincera a um outro ser humano.
Pessoa disse que o amor é a altura em que nos confrontamos com a existência real dos outros - e esta é uma frase determinante para entendermos este poema. Uma frase dramática, mas determinante.
É a presença sufocante do outro que impede o poeta de falar o que sente. Por isso ele nos diz que "quem sente muito, cala; / Quem quer dizer quanto sente / Fica sem alma nem fala, / Fica só, inteiramente!".
O seu desejo maior seria que o seu amor ouvisse este poema mas sem o ouvir, que adivinhasse no seu olhar o sentimento, sem que houvesse necessidade de falar. Há aqui também um pouco de medo de que o ideal decaia quando se torna real, mas essencialmente o medo é de ser humano, o medo é medo de ligação com o outro, a perda de controlo do "eu" em favor do "outro".
Se de alguma coisa este poema fala, não é então de amor, mas antes do que o amor pede, em termos de sacrifícios para o "eu". O amor pede o máximo sacrifício, que é a perda da individualidade máxima, a perda do egocentrismo, do culto da personalidade própria: a perda do controlo sobre a realidade, em favor do caos alheio.
O poema tem a seguinte estrutura:
3 quadras e uma oitava, sendo que a divisão lógica do mesmo, quanto a mim será a seguinte:
as duas primeiras quadras introduzem o tema do poema, que de certo modo é a incapacidade de amar a oitava desenvolve o tema, de modo dramático, sendo que o sujeito poético desenrola para si mesmo o drama que decorre dentro de si - o amor por ela - e a maneira como esse drama o perturba. Ele sente intensamente a dor que é não conseguir falar desse amor a ela, não conseguir revelar o amor publicamente. a quadra final serve de conclusão. Uma conclusão indefinida, porque o sujeito poético deseja que o seu amor o ouça sem que ele tenha de falar, mas mesmo assim uma conclusão.
Quanto aos recursos estilísticos:
Há grande uso de antíteses, para evidenciar a oposição entre sentir o amor e conseguir falar dele à pessoa amada. Há uso de anáfora (repetição de "fica" no início de alguns versos seguidos) Versos 7 e 8, quanto a mim é um hipérbato, com troca da ordem das palavras. "Ouvir o olhar": trata-se de uma invulgar figura de estilo chamada sinestesia.
Mas se tivesse de destacar o uso de um recurso, seria obviamente a antítese o mais marcante neste poema.
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